Para Roma, com amor

Primeiro texto de 2019, porém de um filme de 2018. Produzido pela Netflix, Roma é a mais nova experiência cinematográfica dirigida, roteirizada e editada por Alfonso Cuarón (Gravidade, Filhos da Esperança) – que também é o diretor de fotografia – o filme (todo em preto e branco) é um trabalho que o diretor considera pessoal, já que tem como base suas memórias de infância quando viveu no bairro de classe média da Cidade do México que dá nome ao filme.

Desde o primeiro minuto acompanhamos a narrativa pelo ponto de vista de Cleo (Yalitza Aparicio), empregada da família abastada do filme – que é falado em espanhol, porém ela e Adela (Nancy García García) falam mixteco, um dialeto dos nativos mexicanos. Apesar de ser um projeto nostálgico que retrata o período da infância do diretor, o filme é visto a partir do ponto de vista de Cleo e suas relações, seja com os patrões, sejam amorosas ou seja seu amadurecimento para encarar o que há por vir na sua vida dali em diante. O filme de certa forma conversou comigo, já que minha mãe é diarista e trabalha para pessoas de classe media desde que me entendo por gente, e a parte do trabalho de Cleo remeteu me fez lembrar bastante quando durante a minha infância a acompanhava. Talvez por isso a empatia por Cleo aconteceu rapidamente.

Demorei digerir o filme – como disse acima – por conversar em alguns aspectos comigo e me lembrar a infância, tanto que demorei a escrever sobre. A tristeza está muito presente e numa forma que caminha de mãos dadas com a realidade, já que Cleo passa por problemas que acometem muitas outras mulheres e infelizmente é algo inerente a grande maioria, independente de qual parte do mundo elas sejam ou estejam e qual estrato social esteja inserida, e um dos problemas abordados é o abandono do companheiro (marido ou namorado) num momento no qual acreditou que este estaria ali por ela. E o retrato de tal situação é tão crível que faz qualquer homem – com o mínimo de empatia envergonhar-se por tal, mesmo que não se enxergue ali. E Cuarón já mostra desde o primeiro momento como é o companheiro de Cleo, ele se mostra um romântico no momento da conquista, mas de uma forma bastante máscula – e ridícula, ao exibir seus dotes, já que pratica artes marciais e isso termina por encantar a ingênua jovem e a conclusão de tal relacionamento se dá de uma forma mesquinha e covarde. É muito angustiante quando Cleo o procura para conversar e fica evidente a natureza do rapaz quando este ouve de Cleo o que ele não quis ouvir dela – e naquele momento fica evidente que cidadão de bem também não tem classe e nem estrato social para agir mesquinhamente. O mesmo acontece com Sofia (Marina de Tavira) a patroa de Cleo, quando descobre sobre o marido e tem de ficar só com os filhos, nesse momento as duas personagens se vêem unidas por um mesmo fator, mesmo sendo de classes distintas e isso mostra que apesar de tudo somos humanos e estamos propensos a passar pelas mesmas coisas.

Falando em classes sociais, o filme mostra dois extremos nas figuras que citei acima, mas é sincero ao tratar as relações humanas entre estes e uma cena que não me deixou surpreso foi que a mãe da Sofia não sabia nada sobre Cleo quando precisou levá-la ao hospital, já que para ela a Cleo era somente uma prestadora de família e pouco importava saber mais que isso. Tecnicamente impecável como são seus filmes Cuarón entrega uma obra sincera, triste, nostálgica e linda em todos os aspectos e mostra que no final das contas não importa sua classe social ou poder aquisitivo, no fim das contas nosso final é o mesmo.

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