As Viúvas – novo filme dirigido pelo britânico Steve McQueen e roteirizado pelo diretor junto a Gillian Flynn (autora do livro Garota Exemplar), baseado no livro homônimo da autora Lynda La Plante tem um começo problemático, tanto na forma com que a narrativa se apresenta quanto com o destino final dos seus personagens ao fim desta. Mas isso é um mero arranhão que não compromete esse drama/thriller, que depois da confusa cena inicial é bem conduzido por McQueen, que tem um bom roteiro em mãos e um elenco não menos que maravilhoso.
Dito isso, o filme também é um heist movie ou filme de roubo – este que sai errado e todos os envolvidos acabam morrendo, deixando suas mulheres/companheiras colocadas a própria sorte, porém um deles – Harry Rawlings (Liam Neeson, sempre um deleite vê-lo quando realmente atua) deixa algo para sua esposa Veronica (Viola Davis, simplesmente estupenda – como sempre), um caderno com anotações dos seus assaltos e um futuro assalto, porém em contrapartida a isso o candidato a vereador do 18° Distrito de Chicago e também chefe do crime da região, Jamal Manning (Brian Tyree Henry, o Paper Boi de Atlanta) descobre que Harry roubou uma quantia sua e quer reparação por isso, sendo assim ameaça a viúva e dá um prazo para reavê-lo. A partir daí a narrativa do filme que antes acompanhava o luto da personagem, muda de figura e ela tem de planejar o que fará para consertar o que o marido bagunçou.
Se você crê que o filme relega-se apenas a isso, se engana. Nas mãos de McQueen é de se esperar que não será apenas um simples filme de roubo. Ao mesclar a cena da inicial da fuga dos maridos da cena do crime com momentos destes com suas companheiras ele estabelece como caracterizava-se cada um dos relacionamentos. Esse é o ponto de virada da narrativa e é impressionante o quão forte são as cenas que Viola e Liam estão juntos, você sente verdade no sentimento de ambos e a cena dela sozinha caindo a ficha que seu amado se foi é de uma força tão grande que você partilha daquele momento com ela.
As demais viúvas também se transformam no decorrer da narrativa, a mais significativa é a Alice (interpretada pela bela Elizabeth Debicki) que no início você nota ser frágil e temerosa, em decorrência dos abusos que sofre do marido Florek (Jon Bernthal) e da mãe (Jacki Weaver) e que no segundo ato se cansa de ser aquela mulher que se deixa ser manipulada e acaba por tornar-se uma mulher forte e decidida que busca a sua independência e que pode viver sem depender de ninguém senão si mesma, já Michelle Rodriguez e a sua Linda quando é apresentada a narrativa aparenta ser uma mulher ingênua, mas não, ela apenas se desarma para o marido ficando passiva mesmo sabendo que ele estava arruinando a sua vida e a de seus filhos e que ainda assim após a morte dele ouve a sogra dizer que ela quem arruinou a vida do filho dela mantêm-se centrada – e essa cena em particular mostra que Rodriguez não é só aquela atriz que faz personagens turronas e unidimensionais. Por fim a grande surpresa fica com a estreante em longas metragem Cynthia Erivo e a sua Belle, que mesmo mostrando ser uma mulher forte por criar a filha sozinha e ainda trabalhar full time, é frágil por temer pela sua vida já que mora numa área marginalizada de Chicago e claro, por ser mulher, e uma cena que explicita isso é quando ela sai de casa correndo para não ser parada ou assediada pelos homens da periferia onde mora, é uma puta de uma realidade que muitas mulheres passam diariamente, em quaisquer estratos da sociedade.
Como vemos o lado político-social está presente de forma sútil e sem excessos. Principalmente o jogo político que lembra bastante o momento que vivemos no nosso país. Os dois candidatos a vereador do 18º Distrito de Chicago são dois extremos, um – Jack Mulligan (Colin Farrell) – segue a linhagem política familiar, algo muito recorrente por aqui (como bem sabemos, né?!) linhagem essa que em certo momento ele nega, quando seu adversário reforça (que há nepotismo e) que ele vai cumprir o legado que foi de seu pai e avô respectivamente, já o outro – Jamal (Tyree Henry) é um cara que vive o distrito, conhece as dificuldades do povo dali, porém só quer entrar para continuar as ilegalidades que pratica – como vemos no decorrer da narrativa – só que desta vez sem ser pêgo pelo que faz e isso ele deixa claro.
Uma cena em particular chama a atenção, já que ela ilustra bastante a polaridade do Distrito em si, onde há um plano sequência quando Jack sai de um terreno baldio – onde acabou de fazer campanha e a câmera no capô do carro segue o seu trajeto para casa enquanto ele discute com sua líder de campanha, ali vemos o contraste social de onde ele vive com a realidade daquele povo – que ele oferece migalhas. Veronica também carrega uma perda que precede a do marido, aliás sabemos que houve, mas não sabemos qual foi o motivo desta – e a revelação é outro chute e que vem ao encontro da tensão racial que os Estados Unidos atravessa e é urgente que haja uma discussão acerca disso, pois cada vez mais a arte reflete o que o mundo nos oferece diariamente.
Por fim, mas não menos importante, Daniel Kaluuya (do pontual e maravilhoso Corra!) mais uma vez mostra o porquê de ser um dos grandes nomes atuais, seus olhos aqui no filme transmitem por meio de Jatemme – irmão de Jamal – um ar de imprevisibilidade e medo, pois a crueldade do seu personagem é visível e infelizmente não temos muito vislumbre desta e o pouco que vemos deixa aquele gosto de querer ver mais dele em cena.
Resumindo, As Viúvas é um filme totalmente diferente do que foi vendido, não é sobre vingança e não é só mais um filme de roubo. É um filme sobre libertação, independência e aceitação feminina e sobre a estratificação social que reflete bastante a realidade que muitos de nós vivemos hoje como minoria.
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