Nós é um filme crítico, porém anticlimático e isso tira o seu brilho

Há tempos pedíamos por mais representatividade, seja na esfera política, cultural ou social. E enfim nessa segunda década – que já está no seu fim – conseguimos ver mais das chamadas “minorias” tomando o protagonismo em todas estas esferas e isso tem sido maravilhoso. No cinema tivemos Pantera Negra, Mulher-Maravilha, Capitã Marvel, Uma Dobra no Tempo, Infiltrado na Klan e Corra! dentre os filmes estrelados por pretos e mulheres. Este último citado sendo o primeiro filme dirigido por Jordan Peele – conhecido pelo seu trabalho no programa de humor Key & Peele – que além de vir na contramão do gênero que ele estava habituado, ganhou reconhecimento pelo filme, além de prêmios (incluindo um Oscar de Melhor Roteiro Original), que tornou-se aclamado pela crítica no geral ao tratar de um tema social bastante recorrente ao redor do mundo – o racismo velado e o principal de tudo, trouxe protagonismo a atores pretos e sem estereotipá-los, algo bastante comum em filmes com pretos e no gênero do terror.

Dito isso, Peele volta para seu segundo filme como diretor e a expectativa em torno de Nós estava muito mais que alta, tendo em vista a marca que ele deixou em sua estréia, seria evidente que seu segundo trabalho ganharia a atenção de todos os que gostaram de Corra!, pena que depois da primeira metade essa expectativa vai baixando e o filme acaba entregando um resultado aquém do esperado e já adianto que antes de mais nada gosto do trabalho de Peele como diretor.

O filme segue Adelaide (Lupita Nyong’o), seu marido Gabe (Winston Duke) e seus filhos Zora e Jason (Shahadi Wright Joseph e Evan Alex respectivamente) quando estes vão passar as férias em sua casa de veraneio até o momento que aparece uma outra família semelhante a eles e os toma como reféns em sua própria casa. A construção do filme até o momento chave da trama – que já acompanhamos no trailer – é feito minuciosamente e a construção da personagem da Lupita ainda criança é perfeito, desde os enquadramentos (de baixo para cima), até o clima de tensão crescente ao vermos seus pais discutindo e principalmente a maneira com que o seu pai a trata durante determinado momento. Ao fim desse desenvolvimento entendemos a personagem e o porquê dela ser uma mãe super protetora, principalmente com Jason, seu caçula e que tem características semelhantes a sua quando criança.

No exato momento em que a versão sombria da família aparece na narrativa, o filme tem uma virada interessante, porém começam os problemas no roteiro, diálogos expositivos que nos tiram a atenção e acabam prejudicando o que está por vir – o impacto com determinadas situações é minada em decorrência disso e que não nos deixa descobrir por si. Aqui também é onde fica (bem) mais explícita a crítica do diretor à sociedade estadunidense, de como ela vive de aparências, é fútil, preconceituosa, tornando-a um reflexo do que não deveria ser. A personagem interpretada por Elisabeth Moss, Kitty e seu marido Josh (Tim Heidecker) são a personificação do american way of life – ele o homem padrão e ela a mulher obcecada com sua beleza.

Apesar do crescente clima de tensão, o filme tem seus momentos de humor, alguns são bons e bem pontuais, como quando toca determinada música num momento inesperado e no final do primeiro ato quando a versão sombria da família da Adelaide tenta entrar na casa, mas tem outros que tornam-se desnecessários e não acrescentam nada para a trama e a maioria delas envolve Gabe, que surge como o alívio cômico até em momentos que não deveria ter comicidade.

No terceiro ato do filme – quando tudo é explicado, deixando pontas soltas que podem dar margens a uma futura continuação – Peele nos entrega um plot twist que de twist não tem nada, sendo apenas um artificio de roteiro para poder explicar o que não ficou claro para muitos espectadores desatentos, fazendo tudo soar artificial e anticlimático. Porém, apesar desse grande problema que tira o brilho do filme, deve-se ressaltar que a atuação da Lupita vale o ingresso e as crianças que fazem seus filhos são um achado do diretor e por mais que Nós seja um tropeço na curta carreira de diretor dele, há de se considerar que enfim ele está trazendo para a Indústria mais representatividade, sem apelar para os clichês de pretos em filmes hollywoodianos e que continue neste caminho.

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